Rosely foi a principal mentora e articuladora da manifestação no Ferro’s Bar, cuja militância excepcional iluminou os sombrios anos 80
"Elas viviam silenciadas, o prazer era profano aos outros olhos, mas elas se amavam intensamente, sob a luz da lua e dentro de seus quartos, com as luzes acesas, e, por um único instante, se esqueciam do mundo, das dores, dos filhos, das roupas para lavar e da constante obrigação de se anularem cada vez mais. Muitas mulheres nasceram, casaram-se, tiveram filhos, foram escravizadas e morreram em função de uma sociedade patriarcal, machista, mas não se esqueciam nunca de sua mente capaz, de seu coração ardente e do seu sexo pulsante. Umas acreditaram que nada podiam fazer, outras foram à luta para poderem acontecer. Essas mulheres, amantes, mães, trabalhadoras, deusas, aos poucos foram conseguindo seu espaço, sua inclusão na sociedade, viveram e morreram, para nós hoje podermos desfrutar de intensa liberdade. Elas saíam à luta, à guerra todos os dias, reivindicando um direito que a elas era negado: o direito de amar. Amar não um amor imposto, obrigado e escravizado, mas um amor puro vindo delas mesmas, o poder de decidir a quem amar, escolher seus homens ou ficarem sozinhas, ou até mesmo o direito de amar umas às outras. Por que não? Por que limitar o amor a uma classe, um grau, um gênero? O amor dessas mulheres foi tão longe e tão intenso ao ponto de perceber que se podia amar uma irmã, seu corpo, seus gostos, seus defeitos, seus jeitos e seu sexo. Essas guerreiras, amantes entre si, se espalharam por todos os lugares, irradiando as diversas possibilidades a todas as mulheres do mundo, que aos poucos foram se libertando das amarras impostas, e hoje vivem com orgulho de serem livres, de serem lésbicas e de possuírem o dom supremo do amor. Rosely Roth foi uma dessas mulheres. Lésbica, militante e guerreira, brigou com unhas e dentes e ao mesmo tempo com simplicidade e amor para viver em uma sociedade mais justa e respeitadora. Quando o Brasil se calou e se curvou diante de Figueiredo e seu governo ditador, Rosely se ergueu diante da multidão e levantou com ela dezenas de outras mulheres que também acreditavam que podiam mudar o mundo. Em uma ocasião Rosely Roth foi ao programa da apresentadora Hebe Camargo, ao vivo, em rede aberta, defender uma filha lésbica de uma mãe homofóbica. A mãe, revoltada, estava a ponto de agredir Roseli, que permanecia calma e serena, apesar de possuir todos os motivos para revidar os insultos e provocações dirigidos a ela. Após o ocorrido, o programa ficou proibido de ir ao ar ao vivo. A apresentadora, então, comprou a briga, dizendo que ela não tinha culpa por Roseli Roth ser uma lésbica inteligente, o que fez com que todo o Brasil acompanhasse o caso, dando muito crédito à comunidade lésbica."
Em 21 de agosto de 1959, em tradicional família judia, nascia Rosely Roth. Em 1981 formou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), em 1985/86 pós-graduou-se em Antropologia na UNICAMP. A partir de 1981, iniciou a sua participação como ativista nos grupos "Lésbico-Feminista/LF" e "SOS Mulher", no final deste mesmo ano, fundou, com Miriam Martinho, o "Grupo Ação Lésbica-Feminista/GALF". No ano seguinte, deixa o "SOS Mulher" e passa a se dedicar somente ao GALF, onde se destacou por seus manifestos e artigos nas publicações “ChanacomChana” e “Um Outro Olhar”, e pela organização de debates com grupos feministas, homossexuais e de negros, com políticos, e também por sua participação em manifestações, encontros, congressos, incluindo pela sua presença na mídia, se assumindo publicamente como lésbica. Em 28 de agosto de 1990, morria Rosely Roth, com apenas 31 anos de idade.
Porque prestar homenagem à Rosely Roth?
(MixBrasil) - “Num período em que nenhuma outra mulher o fazia e o ativismo LGBT era alimentado pela simples consciência e idealismo e não por verbas de organizações governamentais e outras instituições, ela se expôs com a cara e a coragem em inúmeros espaços, passando uma imagem super-positiva das mulheres homossexuais, numa militância insuperável até os dias hoje”.
(Miriam Martinho) - “Rosely Roth foi pioneira no que se convencionou chamar de “política da visibilidade” em uma época (década de 80) em que, com raras exceções, ninguém mais o fazia, aliando aparições públicas, geralmente marcantes, a uma fundamentação teórica que lhe permitiu ir além do ramerrão vitimista e reformista que muitas vezes caracteriza o discurso e as atividades dos grupos sociais discriminados. As profundas crises emocionais que a levaram ao suicídio, em agosto de 1990, em nada empanam o brilho de sua trajetória política que se destacou pela coragem, pelo dinamismo e pela coerência discursiva.”
(Rede de Informação “Um Outro Olhar”) - “Na década de 90, a visibilidade ganhou as páginas dos jornais, os programas de TV e até as ruas, em manifestações de orgulho cada vez maiores e com várias pessoas dando as caras, mas até hoje, não surgiu que superasse em excelência, Rosely Roth como a ativista lésbica do Brasil. O trabalho da "Rede de Informação Um Outro Olhar", em suas atuações pela saúde e os direitos humanos das mulheres (em particular das lésbicas) e das minorias sexuais é dedicado à sua memória. Da mesma forma, em sua homenagem, decidimos marcar o dia 19 de agosto, dia da manifestação no Ferro’s Bar, chamada pelos ativistas da época de nosso pequeno Stonewall Inn, como Dia do Orgulho Lésbico Brasilero. Assim também, prestamos nosso tributo ao Ferro’s, fechado no começo de setembro (2000) que, por 38 anos, foi palco de tantas histórias de amor, de tantas histórias políticas e culturais das lésbicas não só paulistanas como de todo o país."
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