De Gertrude Stein (esquerda) é comum dizer-se que "descobriu" Picasso e que inventou a expressão "geração perdida", aplicada a Hemingway e Fitzgerald. No seu apartamento, em Paris, acotovelavam-se personagens do mundo artístico e da sociedade da época. Gertrude Stein nasceu em 1874 em Allegheny, Pennsylvania, Estados Unidos e passou a maior parte da infância entre Viena e a Califórnia. Tinha oito anos quando começou a escrever, uma atividade que rapidamente se transformou em obsessão, tal como a leitura. As suas preferências iam para Shakespeare e para livros de História Natural. Na escola mostrou imediatamente o fascínio que sentia pela estrutura das frases. Em 1903, instalou-se na França com o irmão, Leo, depois de ter passado por um curso de medicina na Universidade Johns Hopkins e de ter experimentado o estudo da psicologia. Gertrude e Leo, munidos de uma generosa mesada facultada pelo irmão mais velho depois da morte do pai, tornaram-se rapidamente o centro da atividade cultural, em Paris. Leo era pintor e crítico de arte. Em Paris desenvolveram uma relação estreita com Picasso e, simultaneamente, com o seu grande rival Matisse. Braque, Van Dongen, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Max Jacob, André Salmon, Erik Satie, Jean Cocteau, Sherwood Anderson, Ernest Hemingway, Scot Fitzgerald também faziam parte do círculo de amigos íntimos. Fisicamente, Gertrude era a típica matrona germano-americana, de corpo e traços fortes, uma figura que nada tinha de feminino. Mas o seu humor, o seu sentido de auto-estima e o seu espírito finamente irônico, aliados ao fato de ser extremamente mundana e muito "snob", faziam dela uma personagem muito atraente que dava ótimas festas e entretinha os seus amigos e convidados com ditos espirituosos e inteligentes. Foi uma escritora que inovou em literatura e uma importante mentora da arte moderna. Diz-se que ela fez com as palavras o que Picasso fez com as tintas. Gertrude Stein tem sido utilizada como ícone de grupos homossexuais. Um dos seu primeiros livros "Q.E.D." (Quod Erat Demonstrandum) ou "Things As They Are", que ela escondeu e fingiu ter esquecido durante anos, contava a história de um triângulo amoroso formado por três mulheres, uma das quais era uma imagem decalcada de si própria, no tempo em que estudava medicina. O fato de mais tarde, em Paris, fazer questão de demonstrar abertamente que desafiava as convenções, contribuiu para uma admiração por parte das comunidades homossexuais. A sua qualidade de judia tão pouco a marcou com sinais de exclusão. Em 1908 declarou seu amor a Alice, uma amiga dos seus tempos de S. Francisco, durante uma caminhada pelas montanhas: queria se casar e ela seria o marido e Alice, a esposa. Depois, Gertrude descreveu seu amor por Alice: "Admiro meu neném. Admiro sua beleza admiro sua perfeição admiro sua pureza, admiro sua ternura. Admiro seu charme admiro sua vaidade... Admiro sua dedicação admiro seu humor admiro sua inteligência admiro sua rapidez admiro seu brilho admiro sua doçura admiro sua delicadeza, admiro sua generosidade, admiro sua vaca". Só para constar, vaca era a palavra de Stein para orgasmo. Foi uma união muito feliz que durou todo o resto da vida da escritora e que foi amplamente documentada em "Autobiografia de Alice B. Toklas", escrita pela própria Gertrude Stein, aos cinquenta e oito anos, em que descreve os detalhes mais íntimos da vida de todos os dias, com as festas, os jantares, as exposições, os amores, ódios, zangas e reconciliações de amigos, inimigos ou simples conhecidos. Quando começaram a viver juntas, o momento foi especialmente dramático para Gertrude, porque se tinha separado definitivamente de Leo, com quem se mantinha em estado de guerra declarada por ele não apreciar os seus escritos. Zangaram-se e nunca mais se falaram. Durante a Primeira Grande Guerra, tanto ela como Alice fizeram questão de ficar em Paris. Compraram um Ford em muito mau estado, a que chamaram "Auntie" e usaram-no para ajudar a Cruz Vermelha e transportar feridos para a província. Durante a Segunda Grande Guerra trabalharam para a Resistência, conseguindo que os ocupantes nazis nunca descobrissem que eram judias. A forte personalidade de Gertrude marcou indestrutivelmente todos os que com ela privaram. Adorava a escrita, acima de tudo e seguiam-se depois, na ordem dos seus afetos: Alice e os seus dois cães, Pépé e Basket. Alice B. Toklas. Não, Alice não era escritora. Tanto que quem escreveu sua autobiografia, sim, isso mesmo, sua própria biografia, foi a sempre inusitada companheira, Gertrude. Como não podia mais escrever sua autobiografia, Alice - secretária, governanta e amante da escritora durante 38 anos, inventou um jeito - no mínimo mais saboroso - de contar sua vida na França, um livro de culinária: “O Livro de Cozinha de Alice B. Toklas”. Com uma diferença: suas receitas recolhidas das fontes mais disparatadas, inclusive de amigos ilustres, foram testadas e aprovadas com água na boca por Picasso e outras celebridades do mundo intelectual que freqüentavam a casa das duas americanas mais badaladas de Paris nas primeiras décadas do século XX. Alice B. Toklas fez mais que um livro de cozinha, fez um livro sobre a cultura gastronômica e os prazeres da boa mesa, salpicado de deliciosas reminiscências da França durante a guerra e a ocupação nazista. Mas esse livro aparentemente sobre culinária se revela um belo álbum de memórias, onde entre ervas de cheiro e ingredientes mais raros, ela vai revelando um panorama encantador sobre o que se convencionou denominar "vanguardas européias". Entre grandes guerras, entre grandes homens e mulheres, descobrimos uma singela sopa de louro e a escandalosa receita de biscoitos de haxixe, que causou furor no lançamento do volume. Descobrimos também, que amor se faz com arte e renúncia, com coisas aparentemente simples como picar uma cebola ou arrumar uma mesa. Amor se faz com a parte de mim que cede a você e a parte de você que cede a mim. É isso. O resto é vida, sentimento, puro devaneio compartilhado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário