quinta-feira, 8 de abril de 2010

colette e missy

O beijo lésbico que escandalizou o Moulin Rouge
Um dos maiores ícones literários do país das belas letras, a escritora francesa Colette era também sinônimo de irreverência, escândalo e liberação femininos. Nascida em 28 de janeiro de 1873, Colette começou a escrever sob o chicotinho de seu marido, Henri Gauthier-Villars (conhecido como Willy), que a trancava num quarto até que completasse algumas dezenas de páginas. Não pensem que o marido fazia isto para o bem da esposa: Willy a explorava, mantendo Colette no anonimato, assinando ele próprio os livros da escritora e embolsando seus direitos autorais. Direitos, aliás, polpudos, pois os romances da série “Claudine” se tornaram sucesso absoluto no país. Um dia, Colette não agüentou mais e revelou ser a verdadeira autora de “Claudine na Escola”, “Claudine em Paris” e os outros que se seguiram. Aproveitando o embalo e o gosto doce do reconhecimento, pediu o divórcio e finalmente se libertou do jugo do marido-escroque (ou começou a se libertar, já que o processo do divórcio e da retomada de seus direitos autorais foi bem demorado e complicado). Desejando novas experiências a partir da liberdade inédita, Colette resolveu aventurar-se no teatro, onde conheceu a baronesa de Morny, que patrocinava eventos no Moulin Rouge. A baronesa, apelidada de Missy, logo se apaixonou por Colette e foi plenamente correspondida. A escritora, sedenta de aventuras e entusiasmada pela nova paixão, propôs à baronesa-amante que atuassem juntas, como atrizes, numa peça de sua autoria.

Missy topou, mas, preocupada com possíveis reações adversas de seus pares (a nobreza francesa não admitia que um de seus membros atuasse em cabarés), resolveu atuar disfarçada, sob pseudônimo de Yissim e fazendo um papel masculino (foto). Assim, em meio a um tórrido romance lésbico, nasceu a peça “Revê d´Égypte” (Sonho do Egito), um dos maiores escândalos do Moulin Rouge. Não se sabe muito bem quem revelou, antecipadamente, a identidade secreta de Yissim. O fato é que, na noite de estréia, vários membros da nobreza se amontoavam nas primeiras fileiras para detonar e vaiar Missy e Colette. Antes mesmo que abrissem as cortinas, já se ouviam apupos da platéia que gritava “fora, sapatões!”, enquanto atiravam ao palco cascas de laranja, almofadas dos assentos, moedas velhas e até dentes de alho. Apesar da gritaria, as duas iniciaram a performance, procurando desviar dos objetos que eram atirados. Colette fazia o papel de uma múmia que se apaixonava pelo seu descobridor, o arqueólogo interpretado por Missy. Quando então o arqueólogo tomou em seus braços a múmia seminua e deu-lhe um prolongado beijo na boca, o Moulin Rouge veio abaixo. No dia seguinte, os parentes da baronesa Missy exigiram que a polícia local proibisse o espetáculo. No entanto, a peça já havia atraído um público considerável, que fazia filas para a segunda apresentação. Como o administrador do teatro não queria desperdiçar um sucesso promissor, a produção tentou encontrar uma saída que não significasse o fim das exibições. Assim, para acalmar os ânimos dos parentes da baronesa, decidiu-se que Yissim (Missy) seria substituída pelo ator Georges Wague. Entrevistada logo após esta segunda apresentação, Colette lamentou “a covardia das pessoas que me insultaram”. Missy, mais calma, pediu que Colette “esquecesse aquelas pessoas”, ao que a escritora-atriz respondeu: “sim, contanto que eles nos deixem em paz”. Parece que seu pedido foi atendido, em parte: o espetáculo continuou em cartaz e, mesmo sem atuar, Missy permaneceu trabalhando nos bastidores. Depois de Paris, a peça viajou para outras cidades francesas. Colette e Missy continuaram enamoradas por muito tempo, provocando a claque conservadora, embaladas e inspiradas pelo beijo lésbico que escandalizou o Moulin Rouge naquele janeiro de 1907.

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