Nas baladas e eventos de mulheres homossexuais se constata que elas querem um espaço próprio, independente dos homens gays
A DJ Nina Lopes, 37 anos, toca todo sábado na primeira festa fixa voltada para lésbicas de São Paulo. "De um ano para cá, teve um boom de baladas para mulher. Temos eventos de sexta e sábado toda semana e outros esporádicos, uma vez por mês ou a cada 15 dias", conta. Alguns chegam a atrair 2,5 mil pessoas. Nas baladas para mulheres homossexuais,a paquera é sutil.
Em vez de abordagens agressivas, as meninas dançam coladas, lançam olhares, esperam uma resposta. Na Superdyke, festas homossexuais femininas, no UltraClub, onde Nina comanda o som, o público está na casa dos 20 anos. Se em lugares públicos namoradas nem sequer podem dar a mão despreocupadamente, lá, casais dão beijos apaixonados. Na pista, garotas dançam bem perto, encaixando os corpos, numa liberdade difícil de imaginar numa festa heterossexual. As atrações da pista são o ponto alto da noite, com shows de gogo dancers e strippers - moças se aglomeram ao redor do palco e gritam, assoviam. No lounge, casais namoram, conversam e dão risada, como se estivessem em bancos de parque, mas sob a proteção das quatro paredes da casa. As lésbicas querem um espaço só delas.
"Quando se fala em movimento gay, as pessoas nem pensam em mulheres. Então é um jeito de dizer que existimos"
Karina Dias, escritora
A internet mostrou que havia um público negligenciado até mesmo pela mídia gay. "Dentro de um mundo machista, as lésbicas são a minoria da minoria", diz Paco Llistó, editor do Dykerama (dyke é gíria para lésbica, em inglês), site voltado para lésbicas e bissexuais que existe há dois anos e chega a picos de um milhão de acessos por dia. "O machismo pauta até mesmo parte do movimento LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Não só na militância, mas de forma editorial e cultural", afirma Llistó. "Agora elas começam a ganhar espaço."
Mais recente, o site Parada Lésbica tem também uma rede social só para elas.
A editora do site, Del Torres, 29 anos, apostou na diversificação de assuntos, sob a perspectiva homossexual feminina. "Lésbicas, acima de tudo, são mulheres e gostam de textos mais sensíveis", afirma Del. Outra ideia foi criar um ponto de encontro virtual para as meninas. Daí surgiu o Leskut, que tem hoje 19 mil perfis e recebecerca de 100 adesões por dia. "Chats de grandes portais estão cheios de heterossexuais e casais procurando alguém para transar. Como o Leskut é um ambiente mais controlado, elas se sentem confiantes."
A socióloga francesa Stéphanie Arc, autora de "As Lésbicas" (Ed. GLS), que acaba de ser lançado no Brasil, acredita que as homossexuais femininas estão certas em tentar afirmar sua identidade dentro do movimento gay. "Afinal, elas encontram dificuldades específicas na sociedade", reconhece. Mas essa participação é um fenômeno bastante recente. "Existia uma ideia forte de que as mulheres não militavam. E, da forma tradicional, não participavam mesmo", afirma a escritora Valéria Melki, 43 anos. Valéria enfatiza que é importante que a militância assimile as diferenças. "Sexualidade para os homens é um valor, para as mulheres é um horror. Uma mulher sexualmente livre é malvista, ao contrário do homem. Isso afeta a mulher lésbica." A escritora foi uma das criadoras do grupo Umas e Outras, que reunia
lésbicas para saraus literários. Outra das criadoras, Laura Bacellar, comemorou um ano da primeira editora lésbica do Brasil, a Malagueta.
LIVROS PARA ELAS Laura Bacellar e Hanna K são casadas e sócias da editora Malagueta, de literatura lésbica
Laura fundou a editora junto com sua companheira, Hanna K. "Nos nossos romances, queremos protagonistas e visão homossexuais claras e assumidas", afirma Laura. Há duas gerações escrevendo atualmente: autoras mais velhas, entre 40 e 50 anos, que participaram da primeira fase do movimento gay, e uma nova geração, na casa dos 30 anos, que se formou na internet. "É um pouco mais fácil para elas do que foi para a geração anterior, as famílias aceitam com mais tranquilidade", diz Laura. "Elas são mais diretas em seus textos para falar o que acontece na cama, em detalhes, sem tanto pudor."
Outras editoras estão despertando para o nicho. O Grupo Editorial Su
mmus tem o selo GLS, que só neste ano lançou seis títulos e cresceu 10% mais do que o resto do grupo. "As publicações voltadas para as lésbicas estão mais interessantes", reconhece Soraia Bini Cury, editora-executiva da Summus. "Mas não existia abertura para esses livros. De uns tempos para cá, elas estão assumindo junto com os gays a militância pelos direitos humanos", diz a editora. Os críticos desse movimento alertam para o perigo de as lésbicas quererem se fechar em guetos, justamente no momento em que os gays estão conseguindo mais espaço na sociedade. A semióloga Edith Modesto, que acaba de lançar "Entre Mulheres", de depoimentos homoafetivos, discorda. "Isso é preconceito", afirma. "Não se trata de se isolar. Pessoas com as mesmas características se sentem bem de ter um espaço próprio para discutir seus assuntos." Para Stéphanie Arc, a ideia de gueto também não se aplica. "Não é um
conceito exato, porque o gueto é onde você está à força, contra a sua vontade. E isso jamais me ocorreu quando estou num bar para mulheres."
A NOITE É DELAS Sem assédio masculino, elas ficam à vontade em bares e baladas lésbicas.
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