Alice Toklas e Gertrude Stein, 1944. Foto: Carl Mydans©Time Life Pictures
Gertrude Stein escreve um romance na primeira pessoa de Alice Toklas, sua companheira por 25 anos, para falar de Gertrude Stein e os anos de convivência no salão da Rue de Fleurus, em Paris, no início do século xx. Pelo que se lê em A autobiografia de Alice B. Toklas (1933), enquanto a autora dedicava-se a questões literárias e às tertúlias que reuniam Picasso, Matisse e Hemingway, Alice cozinhava, bordava, cuidava das plantas, datilografava seus manuscritos e ajudava a entreter os convidados.
O poeta Cesare Pavese (1908-1950), que traduziu a obra para o italiano, comentou este jogo literário no prefácio que se encontra apenas na edição da Einaudi, de 1938. Maurício Santana Dias gentilmente trouxe a pequena pérola para o português:
“Gertrude Stein [me] disse… [Essa autobiografia] vou escrever para você.”
O pior julgamento que se poderia fazer desta obra seria afirmar que seu desfecho parece inesperado. Para nós, ao contrário, seria apenas a alegre assinatura do quadro, tanto o sorriso mistificador vai sutilmente iluminando o texto de cima a baixo. E nem se pode considerar monótona essa posição da autora. Veja-se quanto o sorriso resulta malicioso quando “Alice Toklas” julga severamente a si, e quanto, ao contrário, se torna preocupante quando se faz Gertrude Stein emitir as mais lucíferas opiniões sobre a obra de Gertrude Stein. É precisamente neste jogo de espelhos – Gertrude Stein que fala de Gertrude Stein por boca da gárrula Alice Toklas – que consiste o rico segredo desta prosa. Sobretudo o que diz e faz Gertrude Stein desce uma adorável ambiguidade, que distancia, alivia e ironiza suas palavras e seus gestos, do mesmo modo como, olhando-nos dentro de um espelho, todos nós nos sentimos diversos e irresponsáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário