A escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) teve sua primeira doença diagnosticada após a morte de Julia, sua mãe. Tinha a sensação de ser a mãe, logo, de estar morta. Seu segundo grave ataque depressivo ocorreu com a morte do pai, Leslie.
Anos depois, mergulharia em uma de suas mais profundas tristezas, por conta do abandono de Vita, seu verdadeiro amor. Essas memórias compõem "Sou Dona da Minha Alma" (Bertrand Brasil, 2010), da anglicista Nadia Fusini. O livro recria o diário de Virginia, as anotações de seus romances, as cartas e os fragmentos de suas memórias.
Assim que conheceu Vita, alguém lhe advertiu: "Vita é uma lésbica, ré confessa, fique atenta; já está de olho em você." Diante da advertência, o que fez Virginia? Não se iludiu: "Esnobe como sou, não saberei resistir a ela." E depois, como e por que resistir a paixões que, no caso de Vita, tinham "o timbre romântico de um vinho ambreado, envelhecido"?
Nadia descreve como Vita ficou deslumbrada pela escritora.
De sua parte, Vita, ao escrever a Harold sobre o encontro, declarou ter perdido a cabeça: "Virginia é uma mulher encantadora; sua beleza é espiritual." Como sempre no caso dos verdadeiros sedutores, foi seduzida antes ainda de começar, por sua vez, a sedução, e não via a hora de ceifar o sucesso. Ainda ao marido, confessou: "Estou apaixonada pela Woolf, perdidamente apaixonada. Deixei meu coração com ela."
Segundo a biógrafa, ambas estavam conscientes do risco que corriam. "Virginia vivia como um caruncho no biscoito, quieta; e eis que aparece Vita, e com ela uma felicidade até então nunca experimentada por sua intensidade, sua qualidade; uma alegria misturada a seu contrário, um sentimento forte e contraditório, com sensações de prazer que ultrapassavam os limites e beiravam o terror."
Até Leonard, marido de Virginia, apoiava o relacionamento. Chegou a incentivar o primeiro encontro sexual da mulher com Vita. A escritora registrou em seu diário a experiência com a afirmação: "Essas mulheres sáficas, elas sim é que sabem amar as mulheres!".
Leia abaixo um trecho, no qual Nadia descreve o episódio.
Se Vita era Dioniso, Virginia seria sua Ariadne. "Sim, gosto da imagem coribântica que faz de mim", admitiu Vita, "peço-lhe que a conserve." Também revelou que gostava muitíssimo de receber suas cartas, guardava-as para ler por último, como faria uma criança com bombons. Além disso, informou-a de que estava preparando para ela um pequeno jardim em uma tigela com sementes, com rochas liliputianas. Seu gosto botânico inclinava-se, portanto, a flores que mal podiam ser distintas a olho nu. Gostará desse jardim? Irá tratá-lo com gentileza? Advertiu: "Deve mantê-lo sempre úmido." Virginia ficou encantada.
Vita, de sua parte, estava muito admirada: Virginia escrevia cartas divinas, romances maravilhosos, lia manuscritos poderosos, trabalhava com tipografia, era um raio de luz na tétrica paisagem do TLS, mudava a vida das pessoas; por exemplo, a sua. Virginia replicou: "Sua vida é romântica. Você resplandece como um farol, uma luz intermitente, distante."
Depois, em 11 de outubro de 1925, Vita lançou a bomba: partiria para o Teerã. Virginia ficou desesperada: por quanto tempo? Para sempre? Entrou em total desespero... Não conseguia imaginar deixar de ver Vita. E, como sempre, por defesa, ficou doente. Escreveu-lhe: "O doutor me colocou de cama; proibiu-me de escrever. Este é o meu canto do cisne. Venha me ver."
Vita, por sua vez, escreveu-lhe pedindo que ela fosse a Long Barn. Virginia espantou-se com tanta audácia - a sua própria, de ir sozinha encontrar Vita. Mas Leonard insistia para que fosse, e, embora estivesse fraca, em 17 de dezembro dirigiu-se a Long Barn (Harold já estava no Teerã), e ali as duas mulheres tornaram-se amantes. Passaram a noite juntas, conversando até altas horas da manhã; e, à intimidade do diário, Virginia confessou: "Essas mulheres sáficas, elas sim é que sabem amar as mulheres!" E ficou boa.
Vita era esplêndida, magnífica, opulenta: era o amor na forma materna. "Me agrada, me agrada", confessou ao diário. "É uma verdadeira mulher, cheia de volúpia, é sensual, pródiga, derrama sobre mim a proteção materna, que é a coisa que sempre quis mais do que qualquer outra." Enquanto, em Leonard, o amor assumia mais as feições paternas da prudência, da avareza e da angústia.
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