A cineasta francesa Catherine Corsini trouxe para o Festival de Locarno o filme La Belle Saison, contando a história de amor entre duas jovens, uma citadina e outra interiorana, numa época em que o lesbianismo não era bem aceito nem em Paris e muito menos no interior da França.
Eram os anos 70, a juventude vivia a revolução sexual detonada pela pílula anticoncepcional, reforçada, na França, pela legalização do aborto. Cerca de vinte anos depois, essa liberalização dos costumes enfrentaria uma freagem com o surgimento do virus da Aids.
Porém, paralelamente às conquistas do movimento feminista surgiam as novas reivindicações dos homossexuais femininos e masculinos que levariam à possibilidade dos casais homossexuais terem suas relações estáveis legalmente reconhecidas, com os Pactos ou Contratos. E, recentemente a França, assim como diversos países ocidentais, inclusive os EUA, reconheceram o casamento entre os homossexuais, conquista na França, obtida pelo movimento Casamento para Todos.
Entretanto, esse reconhecimento não existe na maioria dos países, por pressões religiosas de diversas crenças. Faz apenas duas semanas, um bispo conservador católico suíço ganhou as manchetes ao citar passagens do livro de Levíticos da Bíblia, no qual a lei mosáica fala na punicão com a morte para quem sai da regra homem com mulher ou mulher com homem na relação sexual.
Diversas associações estão processando o bispo por propósitos homofóbicos, mas, na verdade, uma punição do bispo não será totalmente justa. O bispo citou a Bíblia exatamente como os pregadores evangélicos fazem na sua cruzada homofóbica, da mesma maneira como imãs e aiatolás citam o Corão. De onde se pode concluir, serem a Bíblia e o Corão livros homofóbicos. Esse um desafio para as sociedades laicas resolverem no futuro, já que as crenças religiosas judaíco-cristãs-muçulmanas condenam o homossexualismo, de forma cruel, enrustidaa ou franca como o bispo católico suíço.
Da esquerda para á direita:Laetitia Dorch (atriz), Elizabeth Perez (produtora), Catherine Corsini (diretora) e Cécile de France (atriz)
No seu encontro com a crítica, a cineasta Corsini lembrou que assumir ser lésbica nos anos 70 implicava num tipo de coragem, diante dos homens que estigmatizavam mulher que não aceitasse seus avanços, e nas sociedades rurais que viam (e muitas ainda vêem) como depravação ou coisa do diabo a relação sexual de mulher com mulher.
O filme La Belle Saison começa na Paris, nos anos 70, dos carros Citroen 2CV, quando duas militantes ativistas feministas se sentem atraídas e acabam se apaixonando. Um derrame do pai pecuarista no interior, provoca a separação inesperada das duas e, incapaz de suportar a ausência de sua companheira, a citadina abandona Paris e vai tentar viver com a amiga, participando ativamente das atividades agrícolas e pecuárias.
Entretanto, essa situação se torna intolerável naquela cidade interiorana. Ainda não era o momento para as lésbicas poderem viver normalmente sua vida cotidiana.
Só na sociedade grega pagã era aceito o homossexualismo masculino ou feminino, numa clima de grande liberdade. A cristianização do império romano colocou os homossexuais no pecado e no delito e, no século V, Maomé também proibiu com rigor o homossexualismo entre os árabes. Na Idade Média cristã, as próprias relações heterossexuais acabariam sendo sujeitas ao rigorismo da Igreja, que acabou com os banhos públicos e criou a exigência da virgindade feminina.
O filme não conta isso, debatido na entrevista com a crítica, mas mostra com franqueza a relação amororosa e sexual das duas jovens lésbicas, sem ir mais longe como La Vie d`Adèle, por estar mais interessado em contar a dificuldade de se viver, nos anos 70, esse tipo de história de amor. Veja o trailer do filme, em inglês no site do Festival.
Rui Martins está em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
Ficha Técnica:
La Belle Saison. Diretora: Catherine Corsini. Intérpretes: Cécile de France , Izïa Higelin , Noémie Lvovsky , Kévin Azaïs, Laetitia Dosch , Benjamin Bellecour , Bruno Podalydès
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