quarta-feira, 30 de junho de 2010

Monique Wittig

Ninguém Nasce Mulher
O enfoque feminista/materialista da opressão das mulheres acaba com a idéia de que as mulheres são um “grupo natural”: “um grupo racial de um tipo especial, um grupo concebido como natural, percebido como um grupo de homens materialmente específicos em seus corpos”.
O que a análise consegue ao nível das idéias, a prática torna atual ao nível dos fatos: por sua própria existência, a sociedade lésbica destrói o fato artificial (social) que classifica as mulheres como “um grupo natural”. Uma sociedade lésbica revela que a divisão com relação aos homens, dos quais as mulheres tem sido objeto, é política e mostra que temos sido ideologicamente reconstituídas como um “grupo natural”. No caso das mulheres, a ideologia vai longe já que nossos corpos, assim como nossas mentes, são o produto desta manipulação. Em nossas mentes e em nossos corpos, somos levadas a corresponder, característica a característica, a idéia da natureza que foi estabelecida para nós; tão pervertida que nosso corpo deformado é o que eles chamam “natural”, o que supostamente existia antes da opressão; tão distorcido que no final das contas a opressão parece ser uma conseqüência dessa “natureza”, dentro de nós mesmas (uma natureza que é somente uma idéia). O que uma análise materialista faz com base no raciocínio, uma sociedade lésbica cumpre praticamente: não apenas não existe um grupo natural chamado mulher (nós lésbicas somos a prova disso), mas, como individuas, também questionamos “mulher” que, para nós—como para Simone de Beauvoir— é apenas um mito. Ela afirmou: “Não se nasce, mas se faz mulher. Não tem nenhum destino biológico, psicológico ou econômico que determine o papel que as mulheres representam na sociedade: é a civilização como um todo a que produz esta criatura intermediária entre macho e eunuco, que é descrita como feminina”.
Contudo, a maioria das feministas e lésbicas-feministas na América, e em outras partes, ainda consideram que a base da opressão das mulheres é biológica e histórica. Algumas delas pretendem encontrar suas raízes em Simone de Beauvoir. A crença no matriarcado e numa “pré-história” quando as mulheres criaram a civilização (a causa de uma predisposição biológica), enquanto os homens toscos e brutais caçavam, é simétrica à interpretação biológica da história elaborada, até hoje, pela classe dos homens. Ainda é o mesmo método de buscar nos homens e nas mulheres uma explicação biológica para sua divisão, excluindo os fatos sociais. Para mim, isso não poderia nunca constituir uma análise lésbica da opressão das mulheres porque se supõe que a base de nossa sociedade ou de seu início, está na heterossexualidade. O matriarcado não é menos heterossexual que o patriarcado: muda apenas o sexo do opressor. Ademais, não somente esta concepção está prisioneira das categorias do sexo (homem/mulher), senão que se aferra à idéia de que a capacidade de dar a luz (ou seja, a biologia) é o que define a uma mulher. Ainda que os fatos práticos e os modos de vida contradigam essa teoria na sociedade lésbica, há lésbicas que dizem que “as mulheres e os homens são espécies distintas ou raças: os homens são biologicamente inferiores às mulheres; a violência dos homens é uma inevitabilidade biológica”.
Ao fazer isso, ao admitir que há uma divisão “natural” entre mulheres e homens, naturalizamos a história, assumimos que “homens” e “mulheres” sempre existiram e sempre existirão. Não apenas naturalizamos a história, mas também, em conseqüência, naturalizamos o fenômeno que expressa nossa opressão, tornando a mudança impossível. Por exemplo, não se considera a gravidez como uma produção forçada, mas como um processo “natural”, “biológico”, esquecendo que em nossas sociedades a natalidade é planejada (demografia), esquecendo que nós mesmas somos programadas para produzir progênie, enquanto que esta é a única atividade social, “com exceção da guerra”, que implica tanto perigo de morte. Assim, enquanto sejamos “incapazes de abandonar, por vontade ou impulso, um compromisso de toda a vida e de séculos, de produzir crianças como o ato criativo feminino”, ganhar o controle sobre essa produção significará muito mais que o simples controle dos meios materiais dela: as mulheres terão que abstrair-se da definição “mulher” que lhes é imposta.
Uma visão materialista mostra que o que nós consideramos a causa e a origem da opressão é somente um mito imposto pelo opressor: o “mito da mulher” e suas manifestações e os efeitos materiais na consciência apropriada e o apropriado corpo das mulheres; ainda assim, esse mito não antecede à opressão. Colette Guillaumin demonstrou que antes da realidade sócio-econômica da escravidão negra, o conceito de raça não existia, ou pelo menos, não tinha seu significado moderno, uma vez que estava aplicado à linhagem das famílias. Entretanto, hoje, a raça, tal como o sexo, é entendida como um “fato imediato”, “sensível”, "características físicas" que pertencem a uma ordem natural. Mas, o que nós acreditamos que é uma percepção direta e física, não é mais do que uma construção sofisticada e mítica, uma “formação imaginária” que reinterpreta traços físicos (em si mesmos neutros como quaisquer outros, por marcados pelo sistema social) por meio da rede de relações nas quais elas são vistas. (Elas são vistas como negras, por isso são; elas são olhadas como mulheres, por isso são mulheres. Mas, antes que sejam vistas dessa maneira, elas tiveram que ser feitas assim). As lésbicas devem recordar e admitir sempre como ser “mulher” era tão “anti-natural”, totalmente opressivo e destrutivo para nós nos velhos tempos, antes do movimento de libertação das mulheres.
Era uma construção política e aquelas que resistiam eram acusadas de não ser mulheres “verdadeiras”. Mas então ficávamos orgulhosas disso, porque na acusação estava já algo como uma sombra de triunfo: o consentimento, pelo opressor, de que “mulheres” não era um conceito simples (para ser uma, era necessário ser uma “verdadeira”). Ao mesmo tempo, éramos acusadas de querer ser homens. Hoje, esta dupla acusação foi retomada com entusiasmo no contexto do movimento de libertação das mulheres, por algumas feministas e também, por desgraça, por algumas lésbicas cujo objetivo político parece tornar-se cada vez mais “femininas”. Porém recusar ser uma mulher, sem dúvida, não significa ter que ser um homem. Ademais, se tomamos como exemplo o perfeito “butch” (hiper masculino) —o exemplo clássico que provoca mais horror—a quem Proust chamou uma mulher/homem, em que difere sua alienação de alguém que quer tornar-se mulher? São gêmeos siameses. Pelo menos, para uma mulher, querer ser um homem significa que escapou a sua programação inicial. Mas, ainda se ela, com todas suas forças, se esforça por consegui-lo, não pode ser um homem, porque isso lhe exigiria ter, não apenas uma aparência externa de homem, mas também uma consciência de homem, a consciência de alguém que dispõe, por direito, de dois—se não for mais—escravos “naturais” durante seu tempo de vida. Isso é impossível, e uma característica da opressão das lésbicas consiste, precisamente, em colocar à mulheres por fora de nosso alcance, já que as mulheres pertencem aos homens.
Assim, uma lésbica tem que ser qualquer outra coisa, uma não-mulher, um não-homem, um produto da sociedade e não da natureza, porque não existe natureza na sociedade. O recurso em converter-se (ou manter-se) heterossexual sempre significou rechaçar a conversão em um homem ou uma mulher, conscientemente ou não. Para uma lésbica isso vai mais longe que o recurso do papel “mulher”, é o recurso do poder econômico, ideológico e político de um homem. Isto, nós lésbicas, e também não-lésbicas, já sabíamos antes. Isto, nós lésbicas e também não-lésbicas, já sabíamos desde o inicio dos movimentos feministas e lésbicos. Contudo, como ressalta Andrea Dworkin, muitas lésbicas recentemente “tentaram transformar a própria ideologia que nos escravizou em uma celebração dinâmica, religiosa, psicologicamente coercitiva do potencial biológico feminino”. Mesmo assim, algumas avenidas dos movimentos feminista e lésbico conduzem de novo ao mito da mulher criada pelo homem, especialmente para nós, e com ele nos afundamos outra vez em um grupo natural. Depois que nos posicionamos a favor de uma sociedade sem sexos, agora nos encontramos presas no familiar beco sem saída de “ser mulher é maravilhoso”. Simone de Beauvoir sublinhou particularmente a falsa consciência que consiste em selecionar entre as características do mito (que as mulheres são diferentes dos homens) aquelas que se parecem bem usando-as como definição para mulher. O que o conceito “mulher é maravilhoso” cumpre é instituir, para definir mulher, as melhores características (melhores de acordo com quem?) que a opressão nos garantiu, sem questionar radicalmente as categorias “homem”e “mulher”, que são categorias políticas e não fatos naturais. Isto nos coloca na posição de lutar dentro da classe “mulheres”, não fazem as outras classes, pela desaparição de nossa classe, mas para defender as “mulheres” e seu fortalecimento. Nos conduz a desenvolver com complacência “novas” teorias sobre nossa especificidades: assim, chamamos a nossa passividade “não-violência”, quando nossa luta mais importante e emergente é combater nossa passividade (nosso medo, justificado). A ambigüidade da palavra “feminista” resume toda a situação. Que significa “feminista”? Feminismo é formado pelas palavras “fêmea”, mulher, e significa: alguém que luta pelas mulheres. Para muitas de nós, significa uma luta pelas mulheres e por sua defesa—pelo mito, portanto, e seu fortalecimento. Mas porque foi escolhida a palavra ‘feminista' se é tão ambígua? Escolhemos chamar-nos feministas há dez anos, não para apoiar ou fortalecer o mito do que é ser mulher, não para nos identificarmos com a definição do nosso opressor, mas para afirmar que nosso movimento contava com uma história e para destacar esse laço político com o velho movimento feminista.
Assim, é este movimento que podemos colocar em questão pelo significado que deu ao feminismo. Ocorre que o feminismo do século passado não é capaz de solucionar suas contradições nos temas da natureza/cultura, mulher/sociedade. As mulheres começaram a lutar por si mesmas como um grupo e consideravam acertadamente que compartilhavam traços comuns como resultado da opressão. Mas, para elas, estes traços eram mais naturais e biológicos que sociais. Elas foram tão longe como adotar a teoria darwinista da evolução. No entanto, não acreditavam, como Darwin, “que as mulheres eram menos desenvolvidas que os homens, mas acreditava, sim, que a natureza tanto do macho como da fêmea haviam divergido no curso do processo evolutivo e que a sociedade em geral refletia esta polarização”. “O fracasso das primeiras feministas foi que somente atacaram a idéia Darwinista da inferioridade da mulher, mas aceitaram os fundamentos dessa idéia-ou seja, a visão da mulher como “única”. E, finalmente, foram as mulheres estudantes —e não as feministas—que acabaram com esta teoria. Mas, as primeiras feministas fracassaram ao não olhar para a história como um processo dinâmico que se desenvolveu com base em conflitos de interesses. Mais, elas ainda acreditavam, como os homens, que a causa (origem) de sua opressão estava dentro de si próprias. E, por isso, depois de alguns triunfos inacreditáveis, as feministas se encontraram frente a um impasse, sem aparentes razões para lutar. Elas sustentavam o princípio ideológico da “equidade na diferença”, uma idéia que hoje está renascendo. Elas caíram na trama que hoje nos ameaça outra vez: o mito de mulher.
Assim, é nossa tarefa histórica, e somente nossa, definir em termos materialistas o que é opressão, para tornar evidente que as mulheres são uma classe, o que significa que as categorias “homem” e “mulher” são categorias políticas e econômicas e não eternas. Nossa luta tenta fazer desaparecer homens como classe, não como um genocídio, mas com a luta política. Quando a classe “homens” desaparece, “mulheres” como classe também desaparecerá, porque não há escravos sem senhores. Nossa primeira tarefa, ao que nos parece, é sempre desassociar por completo “mulheres” (a classe dentro da qual lutamos) e “mulher”, o mito. Porque “mulher” não existe para nós: é somente uma formação imaginária, enquanto mulheres é produto de uma relação social. Sentimos fortemente isso quando, em todas as partes, rejeitamos ser chamadas “movimento de liberação da mulher”. Mais ainda, temos que destruir o mito dentro e fora de nós. Mulher não é cada uma de nós, mas a formação política e ideológica que nega “mulheres” (o produto de uma relação de exploração). “Mulher” existe para confundir-nos, para ocultar a realidade “mulheres”. Para que sejamos conscientes de sermos uma classe, e para nos convertermos em uma classe, temos primeiramente que matar o mito da “mulher”, incluindo seus traços mais sedutores (penso em Virginia Woolf quando ela diz que a primeira tarefa de uma mulher escritora é “matar o anjo da casa”). Mas, para que sejamos uma classe, não temos que aniquilar nossa individualidade e, como nenhum individuo pode ser reduzido a sua opressão, somos também confrontadas com a necessidade histórica de constituirmos a nós mesmas como o sujeito individual de nossa história também. Creio que esta é a razão porque todas essas tentativas de dar “novas” definições à mulher estão florescendo agora.
O que está em jogo (e, claro, não somente para as mulheres) é uma definição individual, assim como uma definição de classe. Porque, quando se admite a opressão, necessita saber e experimentar o fato de que pode ser seu próprio sujeito (em contrapartida a um objeto da opressão); que uma pode converter-se em alguém. Não obstante a opressão, que tem uma identidade própria. Não há luta possível para alguém privado de uma identidade; carece de uma motivação interna para lutar, porque, não obstante só eu posso lutar com outros, luto sobretudo por mim mesma.
A questão do sujeito individual é históricamente uma questão difícil para todos. O marxismo, último avatar do materialismo, a ciência que nos formou politicamente, não quer ouvir nada sobre o “sujeito”. O marxismo rejeitou o sujeito transcendental, o sujeito como constitutivo do conhecimento, a “pura” consciência. Todo ser que pensa por si mesmo, previamente a qualquer experiência, acabou no lixo da história, porque pretendia existir acima da matéria, antes da matéria, e necessitava Deus, espírito, ou alma para existir dessa maneira. Isto é o que se chama “idealismo”. Quanto aos indivíduos, eles são somente o produto de relações sociais e, por isso, sua consciência somente pode ser “alienada” (Marx, na Ideologia Alemã, diz, precisamente, que os indivíduos da classe dominante também são alienados, sendo eles mesmos os produtores diretos das idéias que alienam as classes oprimidas por eles. Mas, como tiram vantagens óbvias de sua própria alienação, eles podem suportá-la sem muito sofrimento).
A consciência de classe existe, mas é uma consciência que não se refere a um sujeito particular, exceto enquanto participa em condições gerais de exploração, ao mesmo tempo que os outros sujeitos de sua classe, todos compartilhando a mesma consciência. Quanto aos problemas práticos de classe — afora os problemas de classe tradicionalmente definidos— que é possível encontrar (por exemplo, problemas sexuais), eles foram considerados problemas “burgueses” que desapareceriam chegado o triunfo final da luta de classes. “Individualista”, “subjetivista”, “pequeno burguês”, estas foram as etiquetas aplicadas a qualquer pessoa que expressasse problemas que não se pudessem reduzir à “luta de classes” em si mesma.
Assim, o marxismo negou aos integrantes das classes oprimidas o atributo de sujeitos. Ao fazer isto, o marxismo, por causa do poder político e ideológico que esta “ciência revolucionária” exercia sem mediações sobre o movimento operário e todos os outros grupos políticos, impediu que todas as categorias de pessoas oprimidas se constituíssem historicamente como sujeitos (sujeitos de sua luta, por exemplo). Isto significa que as “massas” não lutavam por elas mesmas mas pelo partido ou suas organizações. E quando uma transformação econômica ocorreu (fim da propriedade privada, constituição do estado socialista), nenhuma mudança revolucionária teve lugar na nova sociedade, porque as próprias pessoas, não haviam mudado.
Para as mulheres, o marxismo teve dois resultados. Tornou-lhes impossível adquirir a consciência de que eram uma classe e por tanto de constituir-se como uma classe por muito tempo, abandonando a relação “mulher/homem” fora da ordem social, fazendo dessa uma relação natural, sem dúvida, para os marxistas, a única relação vista desta maneira, junto com a relação entre mulheres e filhos, e finalmente ocultando o conflito de classe entre homem e mulher atrás de uma divisão natural do trabalho (A Ideologia Alemã). Isso concerne ao nível teórico (ideológico). No nível prático, Lênin, o partido, todos os partidos comunistas até hoje, incluindo a todos os grupos políticos mais radicais, sempre reagiram contra qualquer tentativa das mulheres para refletir e formar grupos baseados em seu próprio problema de classe, com acusações de divisionismo. Ao nos unir nós as mulheres, dividimos a força do povo. Isso significa que, para os marxistas, as mulheres pertencem seja à classe ou à classe operária, ou em outras palavras, aos homens dessas classes. Mais ainda, a teoria marxista não concebe que as mulheres, como a outras classes de pessoas oprimidas, que se constituam em sujeitos históricos, porque o marxismo não leva em consideração que uma classe também consiste em indivíduos, um por um. A consciência de classe não é suficiente. Temos que tentar entender filosoficamente (politicamente) esses conceitos de “sujeito” e “consciência de classe” e como funcionam em relação com a nossa história. Quando descobrimos que as mulheres são objetos de opressão e de apropriação, no momento exato em que nos tornamos capazes de reconhecer isso, nos convertemos em sujeitos no sentido de sujeitos cognitivos, através de uma operação de abstração. A consciência da opressão não é apenas uma reação a (lutar contra) opressão. É também toda a reavaliação conceitual do mundo social, sua total re-organização com novos conceitos, do ponto de vista da opressão. É o que eu chamaria a ciência da opressão criada pelos oprimidos. Esta operação de entender a realidade tem que ser empreendida por cada uma de nós: podemos chamá-la uma prática subjetiva e cognitiva. O movimento para frente e para trás entre os níveis da realidade (a realidade conceitual e a realidade material da opressão, ambas as realidades sociais) se consegue através da linguagem.
Somos nós que historicamente temos que realizar essa tarefa de definir o sujeito individual em termos materialistas. Seguramente isso parece uma impossibilidade, porque o materialismo e a subjetividade sempre foram reciprocamente excludentes. Entretanto, e em lugar de perder as esperanças de chegar a entender alguma vez, temos que reconhecer a necessidade de alcançar a subjetividade no abandono por muitas de nós do mito da “mulher” (que é só uma armadilha que nos detém). Esta necessidade real de cada uma existir como individuo, e também como membra de uma classe, é talvez a primeira condição para que se consuma uma revolução, sem a qual não há luta real ou transformação. Mas o oposto também é verdadeiro; sem classe e consciência de classe não há verdadeiros sujeitos, somente indivíduos alienados.
Para as mulheres, responder à questão do sujeito individual em termos materialistas consiste, em primeiro lugar, em mostrar, como o fizeram as feministas e as lésbicas, que os problemas supostamente “subjetivos”, “individuais” e “privados” são, de fato, problemas sociais, problemas de classe; que a sexualidade não é, para as mulheres, uma expressão individual e subjetiva, mas uma instituição social de violência. Mas uma vez que tenhamos mostrado que todos nossos problemas supostamente pessoais são, de fato, problemas de classe, ainda nos restará responder ao assunto de toda mulher singular —não do mito, mas de cada uma de nós. Neste ponto, digamos que uma nova e subjetiva definição para toda a humanidade pode ser encontrada mais além das categorias de sexo (mulher e homem) e que o surgimento de sujeitos individuais exige destruir primeiro as categorias de sexo, eliminando seu uso, e rejeitando todas as ciências que ainda as utilizam como seus fundamentos (praticamente todas as ciências).
Destruir “mulher” não significa que nosso propósito consiste na destruição física, não significa destruir o lesbianismo simultaneamente com as categorias de sexo, pois o lesbianismo oferece, de momento, a única forma social na qual podemos viver livremente. Lesbiano é o único conceito que conheço que está mais além das categorias de sexo (mulher e homem), pois o sujeito designado (lesbiano) não é uma mulher, nem economicamente, nem politicamente, nem ideologicamente. Pois o que faz uma mulher é uma relação social específica com um homem, uma relação que chamamos servidão, uma relação que implica uma obrigação pessoal e física e também econômica (“residência obrigatória”, trabalhos domésticos, deveres conjugais, produção ilimitada de filhos, etc.), uma relação a qual as lésbicas escapam quando rejeitam tornar-se o seguir sendo heterossexuais. Somos prófugas de nossa classe, da mesma maneira que os escravos americanos fugitivos o eram quando se escapavam da escravidão e se libertavam. Para nós esta é uma necessidade absoluta; nossa sobrevivência exige que contribuamos com toda nossa força para destruir a classe das mulheres na qual os homens se apropriam. Isto só pode ser alcançado pela destruição da heterossexualidade como um sistema social baseado na opressão das mulheres pelos homens e que produz a doutrina da diferença entre os sexos para justificar essa opressão.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sexualidade Homo

Texto realizado para a revista Escritos sobre feminismo durante o ano 1980, em Porto Alegre, pelo grupo Costela de Adão. Também foi publicado na época pelo jornal Lampião.
Texto realizado para a revista Escritos sobre feminismo durante o ano 1980, em Porto Alegre, pelo grupo Costela de Adão. Também foi publicado na época pelo jornal Lampião.
Uma questão que tem recebido as mais diversas interpretações- desde perversão até o sinônimo do mais alto grau de liberação- refere-se às relações afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo.[1] Embora muito já tenha sido teorizado em torno desse tema, na prática constitui-se ainda numa enorme espinha atravessada na garganta da famosa “moral ocidental-cristã”. A existência de tal preconceito seria mais do que suficiente para justificar a necessidade do debate em torno do assunto. No entanto, ainda mais grave é a maneira como grande parte dos “homossexuais” interpreta e vivencia esse tipo de relação. Por isso, nos parece extremamente pertinente, nos dias que correm, não apenas levantar questões relativas à repressão social institucionalizada (aquela claramente expressa pelo pensamento conservador) mas, também, analisar a maneira como tal repressão foi interiorizada e assumida por aqueles que estabelecem relações homossexuais. Feita essa observação, nos parece que o primeiro passo a ser dado, para a compreensão rela do significado da homossexualidade, é que tal fato seja visto a partir de uma problemática mais ampla, cuja essência é a sexualidade humana, em sua totalidade. Da mesma maneira, a explicação das razões de sua repressão pela sociedade, passa necessariamente pelas razões pelas quais a sociedade rejeita e enoja-se com qualquer manifestação sexual que fuja da normalidade.
Na verdade, a interpretação da homossexualidade como uma questão à parte e a conseqüente divisão da sociedade em duas categorias sexuais distintas e nãomiscíveis – os “homo” e o “hetero” – encerra uma visão altamente preconceituosa. O pressuposto, por trás de tal afirmação, é o de que os indivíduos dividem-se em normais e pervertidos. Normais seriam aqueles cuja sexualidade é coerente com a conformação de seu órgãos genitais, de onde se originariam os impulsos sexuais, sendo sua meta natural outro aparelho genital anatomicamente complementar. Em outras palavras, o esquema é o seguinte: normal seria a busca de uma complementaridade sexual em que a genitalidade feminina funcionará como receptáculo de uma genitalidade masculina destinada à penetração, união essa que, para ser ainda mais natural, deve visar à procriação. Por outro lado, os perversos ou “anti-naturais”, seriam aqueles cujas atividades sexuais ou se estendem, num sentido anatômico, além das regiões do corpo que se destinam à união sexual, ou demoram-se nas relações preliminares com o objeto sexual (a outra pessoa), que devem normalmente ser atravessadas rapidamente no caminho em direção ao objetivo sexual final (a penetração).

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tesão de mulher

Pioneira da literatura lésbica no Brasil, Cassandra Rios foi considerada moralista por escancarar estereótipos e preconceitos em linguagem popular O sexo era assunto tabu. O prazer feminino não era concebido como uma possibilidade, muito menos um direito. A religião regia a moral e os bons costumes. Foi neste cenário adverso que surgiram os livros de Cassandra Rios, no fim da década de 1940. Seus temas: o erotismo entre mulheres, os conflitos internos e estereótipos associados a essa experiência. Tudo escrito de forma direta e sexualmente explícita. Tamanha ousadia resultou em um tremendo sucesso editorial. Cassandra Rios, nascida Odete (1932-2002), tornou-se a pioneira da literatura homossexual no país e manteve-se como principal autora do gênero durante mais de trinta anos, resistindo inclusive à implacável censura imposta durante a ditadura militar (1964-1985). Populares, em prosa simples quando não vulgar, veiculadas em livros baratos com capas provocantes e títulos chamativos, suas obras surpreendiam e cativavam um vasto número de leitores. Cassandra Rios chegou a vender 300 mil exemplares em um ano, transcendendo o público exclusivamente lésbico ou mesmo feminino. Como explicar essa aceitação? Talvez, justamente por seu estilo ousado e extrovertido. Era uma mulher escrevendo sobre o prazer com outra mulher, e apresentando essa vivência como um caminho possível para a vida afetiva e amorosa. Quando seus livros foram publicados, a sigla GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) estava longe de existir, não havia organizações de homossexuais, e nem mesmo os meios de comunicação publicavam conteúdo erótico. Em uma sociedade patriarcal e machista, a maternidade ainda era considerada o principal papel feminino. Razão pela qual, embora um sucesso de vendas, seus livros sempre foram encarados como marginais. A homossexualidade só aparecia, na literatura do final do século XIX e da primeira metade do XX, associada a três tabus: o pecado, a patologia e o crime. Esses elementos não estão ausentes da narrativa de Cassandra; pelo contrário: aparecem como formas de preconceito que suas personagens enfrentam. Por isso, as minorias sexuais, que não eram sequer pensadas como tal no Brasil daquela época, perceberam naqueles livros uma oportunidade de verem retratados aspectos de seu cotidiano. O primeiro romance de temática lésbica a alcançar repercussão nacional foi o livro de estréia de Cassandra Rios, A volúpia do pecado, lançado em 1948. Nele, as personagens Lyeth e Irez buscam no dicionário um termo que defina seu comportamento — elas próprias questionavam a normalidade de um amor diferente dos padrões de sua época. A idéia de que o termo “lésbica” correspondia a um pecado está intimamente ligada ao amor homoerótico nesta obra: “Vinham-lhe à mente os nomes proferidos por dona Margot atribuídos às mulheres que se amavam como elas. Curiosas, consultaram o dicionário: Homossexuais, Tríbadas, Lesbianas! Seriam elas? (...) Queriam saber o porquê de um amor tão desnatural”, escreveu Cassandra. Em Eudemônia, de 1956, o panorama é diferente: a protagonista vai parar em uma clínica psiquiátrica. Por trás da trama erótica, o que se lê é um retrato do fenômeno da divulgação da psicanálise, em especial da chamada “questão sexual”. Nessa história, a lésbica assumida se submete a um tratamento clínico que considera seu comportamento uma perversão sexual. O psiquiatra procura convencê-la a mudar: “Senhorita Eudemônia, todos aqueles que quiseram libertar-se do instinto pervertido foram bem-sucedidos em nossas clínicas. Tornaram-se criaturas normais e muitos deles hoje têm seu lar e até filhos”. Seus livros revelam também elementos de transformação histórica: ao retratar um grande número de mulheres urbanas ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970, as obras indicam mudanças de comportamento das homossexuais femininas nesse período. Em Eu sou uma lésbica, de 1979, um baile de carnaval revela a postura mais assumida de gays e lésbicas, o que gerava forte reação contrária. A personagem vê um casal ser retirado à força do salão: “Meu carnaval estava acabado. (...) A bicha, gritando com sua voz esguaniçada coisas que eu nunca ouvira antes, sendo posta para fora; a machona, carregada pelos guardas escada abaixo”. Essas atitudes ainda eram encaradas como caso de polícia. Apesar do preconceito, na década de 1970 a minoria homossexual passou a se fazer mais visível no Rio de Janeiro, e a ficção de Cassandra trazia várias referências reconhecíveis para quem freqüentava esse submundo. Nos livros Marcella (1975) e Anastácia (1982), por exemplo, aparece o fictício Aço’s Bar, uma alusão ao Ferro’s Bar, ponto de reunião desse público. Em várias outras obras, personagens se encontram em uma certa galeria sem nome, mas facilmente identificável: era a Galeria Alaska, tradicional reduto gay de Copacabana. Durante a ditadura, a literatura erótica de Cassandra Rios tornou-se alvo certo para os censores. Produções vistas como pervertidas e pecaminosas eram desvios que precisavam ser combatidos pelo Estado. Resultado: trinta e seis dos seus quase cinqüenta títulos foram proibidos na época. Na maioria das vezes, ela lançava os livros por pequenas editoras, em alguns casos com dinheiro do próprio bolso. Foi assim com o primeiro deles, A volúpia do pecado, pago pela mãe da escritora, que, no entanto, nunca leria um livro da filha. Hoje em dia, só é possível encontrar obras essenciais, como Copacabana posto 6 – A madastra (1972) e Eu sou uma lésbica (1979), em bibliotecas ou em sebos, pois estão esgotados e fora de catálogo. Recentemente, foram relançados alguns títulos: As traças (1975), Uma mulher diferente (1980), onde o personagem principal é um travesti, e o surpreendente Crime de Honra (2000), única obra até então inédita, na qual Cassandra se aventura pelo universo homossexual masculino. Tachada de “pornográfica”, a literatura de Cassandra Rios não mereceu qualquer esforço de crítica naquele período. Porém, se ela não primava pelo rebuscamento do estilo, tinha o inegável mérito de descrever de forma aguda os conflitos subjetivos vividos pelos personagens: seus temores, questionamentos, e o preconceito já internalizado. Em tempos de “politicamente correto”, se comparados à literatura lésbica atual — como nas coleções “Edições GLS” (Summus) e “Aletheia” (Brasiliense) —, seus escritos podem parecer moralistas ou mesmo condenatórios ao lesbianismo. Afinal, ela se utilizava dos códigos culturais vigentes, cheios de preconceito, para narrar experiências afetivas fora dos padrões da sociedade heterossexual. Lançava mão de termos comuns aos estereótipos com os quais a sociedade, de maneira geral, se referia às homossexuais, como “machinha”, “sapatão”, “corça” e lésbica. Mas esta escolha de narrativa, longe de significar moralismo, revela um caráter transgressor, uma opção pelo enfrentamento: utilizar os códigos conhecidos para compor uma nova abordagem do tema. A intenção é inserir o amor entre mulheres e a existência destas personagens no mundo concreto, com termos que são de domínio público, em vez de adotar uma linguagem compreendida apenas no ambiente homoerótico. E ela nem poderia fazer diferente, pois buscava o máximo de divulgação para suas obras. A partir dos anos 1990, a literatura homossexual feminina assume um perfil engajado, de afirmação positiva dessa minoria. Ao privilegiar protagonistas atraentes e bem-sucedidas, acaba enquadrando o lesbianismo nos padrões hegemônicos na sociedade, com seus valores heterossexuais e mercadológicos. Um discurso que pode ter boas intenções políticas, mas faz alusão a um mundo artificial, distante do cotidiano concreto dos homossexuais. “Ultrapassadas” ou “pornográficas” que sejam, as narrativas de Cassandra Rios apresentam um quadro muito mais verossímil da situação social e emocional das lésbicas de seu tempo.
ADRIANE PIOVEZAN é Mestre em Estudos Literários pela UFPR e autora da dissertação "Amor romântico X Deleite dos sentidos: Cassandra Rios e a identidade homoerótica feminina na literatura” (UFPR, 2006).

sábado, 5 de junho de 2010

Wittig Monique

Wittig Monique (13 de julho de 1935 - 03 de janeiro de 2003) foi um escritora francesa e teórica feminista particularmente interessada em sexo e superar o contrato heterossexual. Ela publicou seu primeiro romance, L'opoponax, em 1964. Seu segundo romance, Les Guérillères (1969), foi um marco do feminismo lesbianismo.
Biografia
Monique Wittig nasceu em 1935 em Dannemarie em Haut-Rhin, França. Ela foi um dos fundadores do Mouvement de Libération des Femmes (MLF) (Movimento de Libertação da Mulher). Em 26 de agosto de 1970, acompanhado por numerosos outras mulheres, ela colocou as flores sob o Arco do Triunfo para homenagear a esposa do Soldado Desconhecido, esta acção simbólica foi considerado o evento fundador do feminismo francês .
Wittig obteve seu Ph.D. da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales , depois de concluir uma tese denominada "Le Chantier littéraire" Em 1971, ela participou da rouges Gouines ("diques Red"), o primeiro grupo de lésbicas em Paris . Ela também foi envolvida no Révolutionnaires Féministes (feministas "revolucionário"), um grupo radical feminista .
Em 1976, ela deixou Paris para os Estados Unidos onde lecionou em várias universidades, incluindo Vassar College, onde ministrou um curso no pensamento materialista, através do Programa de Estudos sobre as Mulheres, onde os alunos foram imersos no processo de corrigir a tradução americana da The Lesbian Body. Ela era uma professora de estudos da mulher e francês na Universidade do Arizona em Tucson, onde morreu de um ataque cardíaco em 3 de janeiro de 2003
Monique Wittig chama-se lésbica Radical. " Esta sensibilidade pode ser encontrado em todo os livros dela, onde ela mostrou apenas as mulheres. Para evitar qualquer confusão, ela declarou:
"Não existe tal coisa como as mulheres da literatura para mim, que não existe. Na literatura, eu não separar as mulheres e homens. Um deles é um escritor, ou um não. Este é um espaço mental onde o sexo não é determinante. One tem que ter algum espaço para a liberdade. Language permite isso. Este é sobre a construção de uma idéia do neutro, que poderia escapar da sexualidade ".
Um material teórico do feminismo, ela estigmatizados o mito da "mulher", chamou a heterossexualidade um regime político, e esboçou a base para um contrato social que lésbicas recusar:
"... E seria incorreto dizer que as lésbicas associar, fazer amor, viver com as mulheres, para" mulher "tem significado apenas em sistemas de pensamento heterossexuais e heterossexuais sistemas econômicos. Lésbicas não são mulheres." (1978)
Para Wittig, a categoria "mulher" só existe através de sua relação com a categoria "homem" e "mulher" sem relação com o "homem" deixaria de existir.
Wittig também desenvolveu uma visão crítica do marxismo, que obstruiu a luta feminista, mas também do próprio feminismo, que não põe em causa o dogma heterossexuais.
Através destas críticas, Wittig defendeu uma posição universalista forte, dizendo que a ascensão do indivíduo e da libertação do desejo exige a abolição das categorias de gênero.
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A longa noite homofóbica - Gente - DN

A longa noite homofóbica - Gente - DN

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Homofobia

Origem da Homofabia

A homofobia (homo= igual, fobia=do Grego φόβος "medo"), é um termo utilizado para identificar o ódio, a aversão ou a discriminação de uma pessoa contra homossexuais e, consequentemente, contra a homossexualidade, e que pode incluir formas sutis, silenciosas e insidiosas de preconceitoe discriminação contra homossexuais.

Origem e significado

O termo é um neologismo criado pelo psicólogo George Weinberg, em 1971, numa obra impressa, combinando a palavra grega phobos("fobia"), com o prefixo homo-, como remissão à palavra "homossexual".

Phobos (grego) é medo em geral. Fobia seria assim um medo irracional (instintivo) de algo. Porém, "fobia" neste termo é empregado, não só como medo geral (irracional ou não), mas também como aversão ou repulsa em geral, qualquer que seja o motivo.

Etimologicamente, o termo mais aceitável para a idéia expressa seria "Homofilofóbico", que é medo de quem gosta do igual.

Oposição ao termo

Alguns estudiosos da língua argumentam que o termo aponta de forma errónea para um motivo específico, fobia (medo irracional), tendo sido o seu sentido modificado para se referir a discriminação da homossexualidade, o que pode não ser o caso. No entanto numa situação similar a palavra xenofobia passou a ser utilizada coloquialmente para qualquer preconceito contra estrangeiros, extravasando assim o seu significado original.

Algumas pessoas preferem classificar o comportamento homofóbico apenas como o "repúdio da sociedade em relação a pessoas que se auto-excluem" ou "desajustamento social por busca do prazer individual" justificando assim a exclusão social das pessoas homossexuais pelo facto de serem diferentes da suposta norma. Outras não consideram homofobia o repúdio à relação homoerótica, alegando que a relaçãoheteroerótica também pode causar repulsa aos homossexuais, justificando a sua discriminação pela discriminação da outra "classe". Há ainda o repúdio por motivos religiosos aos actos homossexuais mas não necessariamente se manifestando de forma directa contra as pessoas homossexuais.[1] Entretanto, ativistas e defensores das causas LGBT em geral indicam que atitudes similares foram utilizadas no passado para justificar a xenofobia, o racismo e a escravidão.

Outras pessoas criticam o uso e abuso correntes do termo "homofobia", sugerindo que tal palavra poderia ser utilizada de maneira pejorativa e acusatória para designar qualquer discordância ou oposição à homossexualidade, ou, mais especificamente, a alguns pontos defendidos pelos movimentos LGBT. Muitos destes críticos fundamentam sua oposição em argumentos religiosos cristãos, considerando que a heterossexualidade seria unica forma de sexualidade abençoada por Deus.

Motivos para a homofobia

Alguns estudiosos e indivíduos comuns atribuem a origem da homofobia às mesmas motivações que fundamentam o racismo e qualquer outropreconceito. Nomeadamente, uma oposição instintiva a tudo o que não corresponde à maioria com que o indivíduo se identifica e a normas implícitas e estabelecidas por essa mesma maioria, nomeadamente a necessidade de reafirmação dos papéis tradicionais de género, considerando o indivíduo homossexual alguém que falha no desempenho do papel que lhe corresponde segundo o seu género.

Algumas pessoas consideram que a homofobia é efetivamente uma forma de xenofobia na sua definição mais estrita: medo a tudo o que seja considerado estranho. Esta generalização é criticada porque o medo irracional pelo diferente não é, aparentemente, a única causa para a oposição à homossexualidade, já que esta atitude pode também provir de ensinamentos (religião, formas de governo, etc.), preconceito,informação ou ideologia (como em comunidades machistas), por exemplo.

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Perspectiva jurídica

Portugal

De acordo com o artigo 240 do novo Código Penal português, em vigor desde 15 de setembro de 2007[2], qualquer forma de discriminação com base em orientação sexual (seja ela sobre homossexuais, heterossexuais ou bissexuais) é crime. Da mesma forma são criminalizados grupos ou organizações que se dediquem a essa discriminação assim como as pessoas que incitem a mesma em documentos impressos ou na Internet. E esta lei aplica-se igualmente a outras formas de discriminação como religiosa ou racial. Além disso, o artigo 132, II, "f", do novo Código Penal, define como circunstância agravante o homicídio qualificado por motivo de ódio, inclusive no tocante à orientação sexual.[3].

Brasil

Protesto contra a homofobia emBrasília.

No Brasil, além da Constituição de 1988 proibir qualquer forma de discriminação de maneira genérica, várias leis estão sendo discutidas a fim de proibirem especificamente a discriminação aos homossexuais.

A Constituição Federal brasileira define como “objetivo fundamental da República” (art. 3º, IV) o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outrasformas de discriminação[4]. A expressão "quaisquer outras formas" refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, tais como a orientação sexual, entre outras.

Cartaz da Parada do orgulho LGBT de São Paulo, edição 2008, que teve como tema a homofobia.

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006[5], atualmente em tramitação noCongresso[6], propõe a criminalização dos preconceitos motivados pelaorientação sexual e pela identidade de gênero, equiparando-os aos demais preconceitos já objeto da Lei 7716/89[7]. Esse projeto foi iniciado na Câmara dos Deputados, de autoria da deputada Iara Bernardi e que ali tramitou com o número 5003/2001[8], que na redação já aprovada propunha, além da penalização criminal, também punições adicionais de natureza civil para o preconceito homofóbico, como a perda do cargo para o servidor público, a inabilitação para contratos junto à administração pública, a proibição de acesso a crédito de bancos oficiais, e a vedação de benefícios tributários[9].

Segundo pesquisa telefônica conduzida pelo DataSenado em 2008 com 1120 pessoas em diversas capitais, 70% dos entrevistados são a favor da criminalização da homofobia no Brasil. A aprovação é ampla em quase todos os segmentos, no corte por região, sexo e idade. Mesmo o corte por religião mostra uma aprovação de 54% entre os evangélicos, 70% entre os católicos e adeptos de outras religiões e 79% dos ateus.[10]

Cartaz da Defensoria Pública doEstado de São Paulo contra a homofobia.

No Estado de São Paulo, a lei estadual 10.948/2001 estabelece multas e outras penas para a discriminação contra homossexuais, bissexuais e transgêneros. São puníveis pessoas, organizações e empresas, privadas ou públicas (art. 3º). A lei proíbe, em razão da orientação sexual (art. 2º): violências, constrangimentos e intimidações, sejam morais, éticas, filosóficas ou psicológicas; a vedação de ingresso a locais públicos ou privados abertos ao público; selecionar o atendimento; impedir ou sobretaxar a hospedagem em hotéis ou motéis, assim como a compra, venda ou locação de imóveis; demitir do emprego ou inibir a admissão. A lei também pune quem "proibir a livre expressão e manifestação de afetividade", se estas forem permitidas aos demais cidadãos. As penalidades são as seguintes (art. 6º): advertência; multa de 1000 a 3000 Ufesp (unidade fiscal), ou até 10 vezes mais para grandes estabelecimentos; suspensão ou cassação da licença estadual de funcionamento; além de punições administrativas (art. 7º) para as discriminações praticadas por servidores públicos estaduais no exercício de suas funções[11][12].

Manifestações homofóbicas

Campanha homofóbica em Ohio,Estados Unidos.

O insulto homofóbico pode ir do bullying, difamação, injúrias verbais ou gestos e mímicas obscenos mais óbvios até formas mais subtis e disfarçadas, como a falta de cordialidade e a antipatia no convívio social, a insinuação, a ironia ou o sarcasmo, casos em que a vítima tem dificuldade em provar objetivamente que a sua honra ou dignidade foram violentadas.

Alegadamente, um tipo desses ataques insidiosos mais largamente praticado pelos homófobos (pode dizer-se que em nível mundial, mas com particular incidência nas sociedades mediterrânicas, tradicionalmente machistas)[13] e que funciona como uma espécie de insulto codificado e impune, é o de assobiar, entoar, cantarolar ou bater palmas (alto ou em surdina, dependendo do atrevimento do agressor) quando estão na presença do objecto do seu ataque, muitas vezes perante terceiros. Esta forma de apupar, humilhar, amesquinhar ou intimidar alguém parece ter raízes muito antigas. A Bíblia refere, a respeito do atribulado Job: "O vento leste (...) bate-lhe palmas desdenhosamente e, assobiando, enxota-o do seu lugar" (Job, 27:23). Na Índiarural, "os hermafroditas ou pessoas sexualmente indefinidas anunciam a sua chegada batendo palmas".[14]

Manifestações homofóbicas no Brasil

Segundo o professor Luiz Mott, do departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, a homofobia é uma "epidemia nacional". Ele assevera que o Brasil esconde uma desconcertante realidade: "é o campeão mundial em assassinatos de homossexuais, sendo que a cada três dias um homossexual é barbaramente assassinado, vítima da homofobia".

Porém tal afirmação não implica necessariamente que as pessoas homossexuais sejam, efectivamente, um alvo preferencial quando comparados com outras orientações sexuais no Brasil. Os dados indicam que de 1980 a 2007, foram assassinadas 2.647 pessoas identificadas como homossexuais,[15] enquanto o total de assassinatos no país foi de 800.000 pessoas de 1980 a 2005.[16] Segundo estes dados temos uma média de 32000 assassinatos por ano para a população em geral, e de apenas 100 assassinatos por ano para pessoas homossexuais o que é muito abaixo das percentagens de pessoas homossexuais normalmente apresentadas relativamente à população em geral que variam entre 1% e 14%. Assassinatos contra homossexuais podem, ainda, ser perpetrados pelos própris integrantes desta categoria social.[17] Deve-se ter em conta, contudo, que nem todos os crimes motivados por homofobia são visibilizado, pois em alguns casos a orientação sexual da vítima é mantida em sigilo. Assassinatos motivados por discriminação contra esse segmento da sociedade são especialmente graves por conterem a variável da discriminação internalizada, sendo assim, crimes de caráter hediondo, assim como qualquer outro crime proveniente de conduta discriminatória. É preciso também ter em mente que nem todas as manifestações homofóbicas resultam em violência letal, podendo ocorrer agressão física, agressão verbal ou atitudes silenciosas de discriminação motivados pela orientação sexual.

O mais recente caso homofóbico registrado no Brasil foi o da psicóloga Rozângela Alves Justino, que atende no Rio de Janeiro, punida peloConselho Federal de Psicologia por tentar "curar" pessoas homossexuais que procuravam seu consultório, em clara discordância àOrganização Mundial da Saúde que não considera a homossexualidade uma doença há anos.[18]

Segundo Mott, no seu livro Causa Mortis: Homofobia, a homofobia é danosa mesmo quando não explicitamente manifestada, uma vez que as pessoas podem inrustir seu preconceito sem exteriorizar os motivos como acontece com o racismo. Numa eventual lei contra a homofobia, Mott explica que ela não seria coibida totalmente, criando uma tensão nos relacionamentos cotidianos, gerando discriminação sutil como acontece com os negros no Brasil. A proposta de lei, ainda segundo Mott, mesmo que aprovada teria o grande desafio de superar os valores da sociedade tradicional, e somente a conscientização na sociedade é capaz de transformar a realidade do homossexual no país.

Grupos considerados homofóbicos

Demonstração da Westboro Baptist Church com Ben Phelps, neto de Fred Phelps.

Há diversos grupos, políticos ou culturais que se opõem à homossexualidade. Geralmente quanto mais um grupo político se encontra à direita no espectro político maior a dose de preconceito contra pessoas homoafetivas. Dependendo da forma como aplicam a sua oposição (que varia do "não considerar um comportamento recomendável" até à "pena de morte"[19]) pode ser considerados "fundamentalistas" ou não. As manifestações desta oposição podem ter consequências directas para pessoas não homossexuais[20].

Em muitos casos esta oposição tem reflexos legais, novamente variando entre leis que diferenciam entre casais do mesmo sexo e casais do sexo oposto, até países em que se aplica a pena de morte a homens que tenham sexo com homens.

No entanto, há alguns grupos dentro das ideologias e religiões apresentadas que apoiam ativamente os direitos das pessoas GLBT. Da mesma forma existem indivíduos homossexuais, associações e grupos LGBT que podem, mesmo assim, manifestar-se de forma considerada homofóbica em determinados contextos.